sexta-feira, 28 de setembro de 2012

DA NECESSÁRIA MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE NOS TEMPOS HODIERNOS



INTRODUÇÃO:

Um dos motivos que nos levaram a escrever sobre esse tema foi o fato da nossa militância diária na advocacia criminal e a nossa indignação com a utilização desenfreada do princípio do in dubio pro societate para fundamentar toda e qualquer pronúncia (decisão que admite a inicial acusatória e determina o envio de um acusado para ser julgado perante o tribunal do júri).

Admitir a incidência desenfreada desse princípio, é não levar em conta outros princípios de matrizes constitucionais, a saber: presunção de inocência (sempre), ampla defesa (às vezes).

In dubio pro societate, vem do latim e significa: em dúvida, a favor da sociedade, é um princípio já ultrapassado, de quando os processos contra acusados de crimes dolosos contra a vida eram mais contidos, onde a polícia trabalhava com mais cautela e não com a necessidade hodierna de demonstrar produtividade e a “solução” para a criminalidade desenfreada que assola o nosso dia a dia, e significa que em caso de dúvida, quando da decisão de pronúncia, deve se decidir à favor da sociedade, pois, como a decisão de crimes dolosos contra a vida, cabe ao conselho de sentença, que é formado exclusivamente por cidadãos comuns, decidir o futuro do acusado, se ele deve ser retirado do seio da sociedade ou deve ser mantido no seu convívio.

No cenário atual essa decisão de enviar o acusado para julgamento pelo Tribunal do Júri, com a modernidade e a tendência garantista que é assegurada, inclusive, pela nossa Constituição Federal de 1988, é descabida e ousaríamos ainda defender que é inconstitucional, pois fere princípios pétreos constitucionais.

HISTÓRICO:

Antigamente, em meados dos anos 50, com o recém criado Código de Processo Penal (Dec. Lei 3.689/41), ao tratar da pronúncia, ícones do Direito, tais como WALTER P. ACOSTA, e HÉLIO TORNAGHI, manifestaram-se no sentido de que a pronúncia se caracterizava como uma sentença “que encerra a formação da culpa e põe fim à jurisdição” (P.ACOSTA, 1957), o que segundo a doutrina mais moderna, trata-se de um equívoco, pois a pronúncia se reveste de caráter decisório interlocutório, onde se admite a procedência da acusação, encerrando a primeira fase, do procedimento do júri que tem essa finalidade, qual seja, tornar admitida ou não a denúncia ministerial, em palavras miúdas, se a acusação tem fundamento.

NECESSIDADE DA APLICAÇÃO SEGUNDO A DOUTRINA ANTIGA:

Para que se possa credibilizar o discutido princípio, vale frizar que o Direito Penal antigo, que remonta a antes da promulgação do Código de Processo Penal vigente, em meados de 1940, fundamentava-se muito na necessidade, influência da Igreja Católica com as Santas Inquisições, de a população se ver resguardada em sua paz social, de indivíduos que pudessem perturba-la.

E assim o fizeram, criaram o princípio discutido, para em visível defesa da paz social, da tranquilidade pública, fazer ver a que acaso surgisse alguma dúvida acerca da culpabilidade do indivíduo acusado de um crime de homicídio, dever-se-ia levá-lo a julgamento perante um conselho de sentença formado por 7 cidadãos do povo, completamente leigos em relação ao direito, que decidiriam o futuro e a vida do cidadão que ali estava a ser julgado.

Mas questionamos diversos fatores para tal julgamento: Há a incidência do visual, e passo a explicar, acaso algum dos jurados não fosse com a cara do cidadão, muito provavelmente iria condená-lo, ademais existe a performance teatral da acusação e da defesa, pois os relatos históricos são de julgamentos onde cenas de filmes de Hollywood perderiam longe.

Além de tudo isso ainda soma-se hodiernamente o poder da chamada “imprensa marrom” que é responsável por “divulgar” determinados delitos que chocam pela sua forma de cometimento e elegem determinado cidadão, seja ele culpado ou não, como o autor do delito, condenando-o impreterível e antecipadamente.

Seria como elencar alguns casos práticas, antigos e nem tão antigos assim, mas alguém que assista aos telejornais absolveria p.ex.: Suzane Von Richthofen, Alexandre Nardoni, Ana Carolina Oliveira, Lindemberg Alves e nos mais antigos o “bandido da luz vermelha”, o maníaco do parque??
DA NÃO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE NO DIREITO MODERNO: (IN DUBIO PRO SOCIETATE X PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA)
Seguindo a mais moderna doutrina processual penal, que leva em conta estudos modernos de política criminal, estatísticas de crimes, dentre outros pontos vitais à modernidade exigida por todos os ramos da nossa vida, é que se chegou à conclusão de que não se pode aplicar mais um princípio jurássico como é o in dubio pro societate, pois em total afronta ao garantismo penal, e ao princípio da presunção de inocência.
Não se pode admitir que por incompetência dos órgãos investigadores e por defeito na instrução processual, um cidadão seja submetido a um julgamento pelo Tribunal do Júri, sob o manto da dúvida, ora, que dúvida é essa que pode levar para o cárcere um cidadão inocente, que já entra na sessão do júri 50% condenado, tendo que se defender dos fatos atribuídos a si, pois se a dúvida persistir ele fatalmente será condenado.
É como colocar numa balança, quais os princípios que devem ser valorados? O in dubio pro societate ou o in dubio pro reu, e é claro que se formos pesar numa balança, devemos nos tendenciar pelo segundo deles, onde a dúvida privilegia o réu e que a nosso ver deve ser utilizado em todo o processo penal, ora, porque num processo de competência do juiz comum, há toda a instrução processual e após seu final (igual à primeira fase do júri) o magistrado se tiver a menor dúvida deve decidir pro reu e porque não no rito do júri, com essa atitude evitaríamos várias injustiças cometidas pelos jurados que condenam sem sequer saber o que é estar preso.
Segundo as palavras do preclaro EUGÊNIO PACELLI DE OLIVEIRA: “...não vemos como aceitar tal princípio (ou regra) (in dubio pro societate) em uma ordem processual garantista.” (parênteses grifados nossos).
CONCLUSÃO:
A nosso ver, não há como se manter um princípio dessa monta vigente tomando por base um direito penal moderno que se reveste de garantismo e minimalismo, onde um cidadão que submetido a toda uma investigação judicial após uma prévia investigação policial, e ainda assim restarem dúvidas acerca de sua culpabilidade, seja enviado a um julgamento ao clássico estilo da “roleta russa” em que diversos fatores externos à verdade podem influenciar, não somente aos anos que irá passar recluso, arrancado do seio de sua família, mas também à pecha de assassino, que essa, tempo algum há de corroer.
Portanto, em nosso sentir, o princípio que deve nortear qualquer decisão judicial é o do in dubio pro reu, evitando assim erros judiciais crassos como já tivemos vários em nossa história recente.











REFERÊNCIAS:
P.ACOSTA, Walter. O Processo Penal, Rio de Janeiro: 1957.
TORNAGHI, Hélio Bastos. Curso de Processo Penal, v. 2. São Paulo. Saraiva: 1980.
OLIVEIRA. Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 13ª ed. Lumen Juris. São Paulo:2010. p. 696